Não existe festa boa sem bolo e bolo bom tem que ter cobertura. Mais do que isso, tem que estar bonito aos olhos meus e dos outros. Mas eis que o bolo não cabe na forma. Culpa de quem colocou ele na forma. Foi ingênuo, desavisado, incapaz de calcular ou de lembrar de olhar a altura do bolo. Olhou só pra largura e achou que ia caber perfeitamente na vasilha. Não! Não posso atribuir a causa desse “erro” pra pobre pessoa que teve a boa intenção de colocar o bolo no melhor lugar que tinha para ser levado para os cantos do mundo. Então, a culpa é da forma, quem deu essa forma, quem a fabricou? Muito rasa, quem colocou o bolo dentro dela não podia prever que o melhor podia ficar colado na sua tampa. O bolo não vai ficar perfeito de novo, nem aos olhos de quem o fez nem dos outros. Não, a culpa não é da forma, nem de quem a fez, de quem a fabricou. Já sei, a atribuição de causalidade para isso foi quem fez o bolo, colocou fermento demais, colocou sua pitada subjetiva e o bolo cresceu muito. Talvez tenha sido as condições de pressão e temperatura a que ele foi submetido. Tudo para o bolo entrar na festa e ser aquele desejado pelos outros. Mas que vergonha de estar todo desfigurado da imagem que deveria ter, vai ficar lá feio dentro da tampa com suas culpas. Não. Ele vai ser aberto, fatiado, compartilhado e comido. Alguns vão gostar, outros nem tanto, mas pra falar dos culpados, entra na roda desde a decisão de fazer um novo corpo, com sua carga genética, sua história de ser desejado, encaixado numa forma, de se apresentar e ser apresentado, a química do fermento e dos outros ingredientes, a adequação da temperatura a que foi cozido, seu acondiciomamento, pra dizer porque na hora boa dele viver sua vida de bolo gostoso e bonito, ele se bagunça todo porque ele foi feito para que sua tampa seja aberta para mundo e seja revelado em sua única forma possível. Como um fio desencapado, desprotegido, como assim um bolo de festa sem cobertura? Desprovido de sua funcionalidade e da razão pela qual foi feito. É isso mesmo? Que nada. Por acaso, tudo isso que aconteceu. E não por acaso, pode se ter um grande motivo pra passar os dedos na tampa e apreciar a cobertura de um modo inusitado. Aiai, o que mais se pode dizer sobre a constituição do sintoma dos sujeitos com doença autoimune?
Elise Alves dos Santos.
Doutoranda em Psicologia Clínica e Cultura (UnB).
Goiânia, 22 de abril de 2016.