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As batidas no trânsito: uma psicanálise política sobre acidentes de trabalho

Eu conheço o medo de ir embora

Não saber o que fazer com a mão

Gritar pro mundo e saber

Que o mundo não presta atenção

(Oswaldo Montenegro, em Estrada Nova)

Dizem que a primeira vez a gente nunca esquece. Esse texto é uma reflexão afastada no tempo de quando fui batida no trânsito. De começo, quis dizer que fora por um motociclista imprudente. Depois, ainda poucos momentos após a colisão, a experiência bateu forte para me fazer questões sobre o nexo causal entre o acidente e o mundo do trabalho de um outro modo e para além do discurso posto. 

Falemos do discurso posto: a responsabilidade individualizada quando se trata de motociclistas é do sujeito – desculpe a expressão – “fodido e mal-pago”. E sim, sabemos que em nossas cidades brasileiras, é de “praxe” assistirmos os motoristas de motocicletas em particular fazerem entradas bruscas, “costuras” entre faixas contínuas, descontinuando de variadas formas o trajeto da segurança. Dirigirem com extrema rapidez, e aí soma-se a leveza do veículo e o peso da vontade de fazer a moto acelerar. Enfim, um modo que transgride leis e convenções de trânsito. 

Explico o uso do linguajar informal, quase chulo, porque vale a pena entender porque é tão comum e ao mesmo tempo difícil falarmos dos fodidos quando existem dois lados tão distantes: o do “fodido” e o dos “fodões”. O termo é fortemente sexualizado e imprime a ideia, para estes últimos, daqueles que podem gozar, ainda que psicanaliticamente falando “gozar” implique outros significantes, chamo atenção aqui para o sentido de que os fodões são aqueles que podem gozar, usufruir com prazer, de suas condições, objetos e posições de poder. 

Pode mais quem tem carro próprio, consegue pagar IPVA (imposto de propriedade de veículos automotores, uma sigla que a gente nem queria entender o nome porque pouco parece fazer sentido), troca a placa quando precisa, aciona seu motor turbo quando quer, consumindo mais combustível num toque leve dos pés no acelerador, se desloca com rapidez, passa na frente dos outros, dirige em primeiro lugar.

Digo assim, porque os “fodidos” são os que ficam submetidos aos fodões. No trânsito estamos todos “munidos” de veículos que potencializam os movimentos que precisamos/queremos fazer. Talvez esteja aí, nessa barra que separa a necessidade do desejo que toda essa discussão poderia se deter. 

Na epígrafe do texto, cito Oswaldo Montenegro dizendo que conhece o medo de ir embora, o motociclista que bateu em mim, teve medo de ficar pois caso fosse o hospital conforme meu pedido ficaria sem realizar as entregas definidas para a tarde. A discussão foi presenciada por outro motociclista que se surpreendeu com o colega que negou minha oferta de prestar socorro. E assim, o batedor de metas e de carro, deu seu jeito de passar pelo acidente. 

A realidade que este homem vive – emblema de toda uma categoria profissional -, provavelmente a mais repetida no trânsito de Goiânia, lembra mais a música de Milionário e José Rico, que diz que na longa estrada da vida “vou correndo e não posso parar na esperança de ser campeão alcançando o primeiro lugar”. 

Inspirada em algumas passagens da obra de Freud  (1895/1996; 1901/1996) penso nas disciplinas de saúde do trabalho, lembro de nossos programas de saúde da família. Embora Freud não trabalhasse no serviço público, por muitas vezes ele atendia pacientes empregados da grande “firma” B. & R. fazendo visitas profissionais tanto na residência dos funcionários como nos escritórios do prédio onde se localizava a empresa. Freud cita esse testemunho no texto sobre o esquecimento de impressões e conhecimentos.

Essa passagem de um caso diagnóstico duvidoso que Freud reconhece em sua prática, nos leva a refletir sobre elementos importantes para o estabelecimento do nexo causal esquecido no tratamento dos acidentados do trabalho no trânsito. Esquecemos (deixamos pra lá) o porque aceitamos desconhecer o por que pagamos determinados impostos, tal como o licenciamento anual dos veículos automotores. Os impostos que a classe que vive do trabalho não consegue pagar nem entender o porque deve pagar parece atrelada à renúncia ao seguro para Danos Pessoais por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT). A conta do de-ver cível do condutor de pagar seus impostos, não parece justa, ou melhor dizendo, pouco pagável para muitos, pois não se vê retorno ao se pensar numa relação custo-benefício quando se vive sob os piores modos de exploração do tempo e do trabalho humano.

Um acidente reativa os vividos anteriores, infantis e, às vezes, vivências muito precoces que emergem na clínica psicanalítica. Uma notificação de acidente implica também a suspeita de sofrimentos e até mesmo transtornos mentais relacionados ao trabalho. O acidente (e seus potenciais efeitos adoecedores e cumulativos) com motociclistas são fenômenos de repetição associados à condutas de risco, medidas adotadas para conseguir “dar conta” do trabalho. O seu jeito de dirigir pode dar uma forma específica à identidade de condutor, ou dito de outro modo, deforma a própria percepção levando a ver o trânsito e agir sobre ele para atender à ordem do patrão nosso de cada dia: “Consiga realizar as entregas”. Um super-Eu identificado com o discurso do “fodão”, mostra no trânsito como os motoristas revelam seus mecanismos de dominação mais sórdidos e impensados. As consequências aparecem tanto na deformação das identificações em curso, como na sucata metálica da moto amassada, e no corpo (a)batido do trabalhador precarizado em sua dupla valência, corporal e simbólica, não dissociáveis uma da outra (Aeschbacher, 2006).

Outro dia, vi o mesmo motoqueiro próximo ao local da batida, como Vital e sua moto, sem paralamas ou parachoques, seguia sem ouvir o alerta do pai sobre o perigo da motocicleta. Sobre duas rodas, apostava que conseguiria deformar o cronograma de entregas, vencendo os ponteiros do relógio, alcançando o primeiro lugar de algum lugar, garantindo a parca remuneração para cumprir seu dever de prover cuidados para a filha doente. Do ronco da moto só podia se ouvir o grande apetite mortífero de quem quer matar a fome de tentar dar uma guinada na vida, satisfazer a guina, dar conta das exigências da vida.

Referências

AESCHBACHER, Marie-Thèrèse. Les lésions corporelles d’origine somatique ou accidentelle à l’adolescence: une douleur en quête de sens. In: LAURU, Didier; LEMAIRE, Jean-Jacques.Enfances & PSY, Nº 32. Dossier Les Marques du corps. Paris: érès.  2006, pp. 16-22.

FREUD, Sigmund. O esquecimento  de impressões e intenções. In: _____. Sobre a psicopatologia da vida cotidiana. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Volume VI. Rio de Janeiro: Imago, 1901/1996.

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Trabalhadores doutores

Em 2022 escrevi sobre a importância do nome próprio do trabalhador1. Texto inspirado na conversa que tive com o professor Dr. Roberto Heloani no encontro que organizei em 2014 sobre assédio moral no trabalho na Secretaria de Estado da Saúde de Goiás, lembro dele iniciar sua palestra criticando o uso do termo “colaborador”. Hoje vou entrar um pouco mais na questão dos nomes usados como vocativo e tratamento do trabalhador. 

É preciso prestar atenção nas palavras e técnicas que escolhemos, pois tanto umas quanto as outras “constituem um meio poderoso de transmitir valores, significados e atitudes”. O nome dado ao trabalhador precisa passar constantemente pelo escrutínio da reflexão e do pensamento crítico (Diniz, 2004). A proposta de escutar o que dizemos passa pelo reconhecimento dos pressupostos patriarcais e discriminatórios e o quanto eles podem ser usados para perpetuar papeis e estereótipos desvantajosos para o reconhecimento de quaisquer trabalhadores.

Seguindo a análise em um nível mais individual, reflitamos: na sociedade contemporânea é possível mudar de sexo, mudar de nome, acrescentar sobrenomes ou ainda manter os mesmos nomes mesmo que depois que seus corpos ou estados civis tenham se modificado. Nem sempre os documentos de identificação acompanham a materialização da realização do desejo de ter nova identidade. Por isso, a pergunta: “como você gosta de ser chamado ou de ser chamada?” é bem-vinda nas conversas de socialização dentro dos ambientes de trabalho. 

Doutor e doutora: um exemplo para questionar o dizer de um título próprio 

No Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa o primeiro significado do verbete “doutor” é o seguinte: “1. Aquele que completou o doutorado” (Ferreira, 2010, p. 742). A par da consideração contemporânea da cultura brasileira, pactuada numa das maiores referências da língua portuguesa que é nosso Dicionário Aurélio, a defesa para que os advogados sejam chamados de doutores está num decreto imperial de 1º de agosto de 1825, importado e  exarado pelo Chefe de Governo de Dom Pedro I, que deu origem à Lei do Império de 11 de agosto de 1827, que dispõe sobre o título (grau) de doutor para o Advogado. A questão é, se Dom Pedro “falou” no século XIX, “água parou” até o século XXI?

Hoje temos “doutores de verdade”, como muitos querem defender, ou seja, aqueles que fizeram doutorado em várias categorias profissionais. Negando a pertinência cultural referendada pelo Ministério da Educação, de certificar doutores ou ainda aqueles assim nomeados pela tradição, na contramão da valorização dos títulos próprios conquistados pelas(os) trabalhadoras(es), o Decreto N° 9.758, publicado em 11 de abril de 2019 proíbe, na Administração Pública Federal, o uso de formas de tratamento bastante conhecidas dos manuais de Redação Oficial. O ato normativo determina que se utilize exclusivamente a forma “senhor”/”senhora” nas comunicações orais ou escritas entre agentes públicos federais, como forma de modernizar e desburocratizar o uso de pronomes de tratamento. A mesma pergunta feita à pertinência de um conteúdo legal de outrora é feita agora, por um viés crítico, pela advogada Dra. Jael Sânera Sigales-Gonçalves2.

Jael atenta-se para o uso de pronome justamente porque, geralmente, essas palavras substituem nomes próprios ou substantivos comuns, que podem ser associados às pessoas do discurso – 1ª (eu, quem fala), 2ª (tu, aquele com quem se fala) e 3ª (ele, do que/qual se fala). Além disso, o decreto proíbe formas como “Vossa Excelência”, “respeitável” e “doutor”, fazendo pensar que bandeiras como “Doutor é quem tem doutorado” teriam entrado para o rol de prioridades legislativas da União Federal, mas a intenção não parece acontecer por aí. O blog de Linguística da Unicamp, assinado pela Dra. Jael, provoca a reflexão:

Parece simples olhar para essas regras de emprego dos pronomes de tratamento e empregá-los “adequadamente” nas diferentes situações de comunicação. Porém, os Manuais não explicam, por exemplo, por que o feirante chama o cliente de “doutor”, e não o contrário; por que o porteiro é “Seu José”, não “Senhor José”; por que toda patroa de empregada doméstica é “Dona Fulana”, não importa a idade. Também não explicam como e por que a subversão das regras de uso das formas de tratamento e o jogo com o “status social” produzida por cada pronome produzem o riso:

Fonte: Sigales-Gonçalves, 2024.

Essas situações jocosas nos dão indícios de que há algo do funcionamento da fala que escapa às tentativas de sua regulação. Por isso, é preciso ir além dos Manuais para compreender o que está em jogo na divisão entre quem é “senhor” e quem é “excelentíssimo”, que poderia ser chamado de doutor e não é. Geralmente, quando se fala em “políticas linguísticas”, se fala de escolhas conscientes sobre a língua na vida social que vão resultar em práticas de “planejamento linguístico”, ou seja, ações concretas em que o Estado coloca em prática suas escolhas sobre a comunicação. Manuais de Redação Oficial e normas jurídicas que buscam regular o uso da língua – como o Decreto n.° 9.094/2017 e o Decreto n.° 6.583/2008 – são exemplos desse planejamento linguístico.

No horizonte da discussão do uso do título de doutores por força da tradição secular para advogados ou médicos, o que merece mais atenção é que há décadas diversos profissionais têm se habilitado legalmente para o reconhecimento formal de seus doutoramentos, seja em planos de carreira ou fora deles. As reflexões devem ir além do legalismo e tradicionalismo e é preciso repensar o que fazer diante de certas “psicopatologias da vida cotidiana”, para tomar emprestado o título de uma obra freudiana.

Se num mesmo ambiente há um advogado experiente, seja na administração pública ou na iniciativa privada, o jovem que tem os mesmos títulos deve ser tratado tal qual o colega, pois a formalidade e padronização são dois atributos presentes nos princípios constitucionais brasileiros de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na administração pública. No entanto, nem sempre é assim… 

No Brasil, o doutorado é cursado em pelo menos quatro anos, isso após fazer um mestrado que dura pelo menos dois anos. Então, quando você passa a saber que alguém tem um doutorado, saiba que este brasileiro estudou em média o dobro de tempo que qualquer outro graduado em curso superior. O empenho nos estudos é característica individual, incentivada (ou não) pelas políticas educacionais do país, estado ou região. 

Logo, seguindo esta via de raciocínio, não deveríamos mais nos referir aos médicos ou advogados como doutores? A resposta deve vir como exercício de um certo posicionamento ético. Há graduados mais jovens que entendem que não deveriam ser assim chamados, pois não fizeram o curso específico que lhe concederia este título. Por outro lado, ainda restam muitos que se comprazem deste modo de serem chamados, pois alguns “subordinados”3 ainda lhe conferem um lugar de destaque, de poder, fálico em última medida. Nada impede que, informalmente, com o devido respeito e consentimento, possamos dar apelidos ou nos referir aos colegas por doutores ainda que não possuam os títulos específicos, conferidos pelo Ministério da Educação. 

No entanto, em momentos formais de apresentação do profissional em seu ambiente de trabalho, é mister que a apresentação curricular seja feita seguindo os princípios éticos amplamente divulgados nos variados Códigos de Ética que proíbem as categorias profissionais a divulgar e declarar possuir títulos acadêmicos que não possuam.

Antes de chamar qualquer graduado de doutor, pergunte-se, e o doutorado? Reconhecendo ou não o conteúdo abordado neste texto, atente-se ao direcionamento de sua expressão ao colega de trabalho que o responsabiliza daquilo que fala ou deixa de falar. Certifique-se se a sua liberdade está interferindo na imagem do outro, seja porque o diminui ou o menospreza. Esses cuidados são medidas de prevenção ao assédio moral no trabalho, pois o respeito e reconhecimento da trajetória de cada trabalhador cabe em qualquer ambiente de trabalho.

Trazer honra e homenagem para um colega que não possui o título e não mencionar outro que o possua é situação que não passa incólume a uma análise dos princípios de reconhecimento na carreira investida pelo(a) trabalhador(a). Seja no caso de você estar tendo dificuldades em se lembrar do nome de colegas de trabalho e se não se trata de amnésia, ou optar por termos que apaguem a sua singularidade, atente-se para o modo como se refere ou não se refere ao seu colega de trabalho. 

Lembrando que após o vocativo ou aposto de doutor e doutora vem um nome próprio singular que identifica o(a) trabalhador(a). É ele (ela), quem viveu a longa e muitas vezes difícil experiência de trabalho de anos a fio em pós-graduações, é ele (ela) quem deve ser perguntado(a), antes de tudo como prefere ser chamado(a) por aquele que entra em seu ambiente de relacionamento, seja para pronunciá-lo na forma escrita ou falada. Esse é o pronome de tratamento adequado, o respeito à singularidade do percurso e identidade de cada um. 

  1. Disponível em: www.elise.psc.br/2022/02/07/a-importancia-do-nome-proprio-do-trabalhador-uma-politica-linguistica-de-respeito/
  2. É Doutora e Mestre em Letras pela Universidade Católica de Pelotas, com estágio doutoral na Universidade de York, Reino Unido. Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente é pesquisadora de pós-doutorado no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas e atua como professora em nível de graduação e pós-graduação stricto sensu na mesma instituição. Tem experiência de pesquisa, ensino e extensão na interface entre Linguística e Direito, especialmente em Direitos Humanos, Direito Linguístico e Políticas Linguísticas para a população migrante no Brasil. Lidera o Grupo de Pesquisa Língua, Direito, Estado e Sociedade – GELIDES/CNPq. Integra o ProMigra – Projeto de Promoção dos Direitos de Migrantes em São Paulo, vinculado à Faculdade de Direito da USP, onde atua como pesquisadora e advogada voluntária.
  3. Consultar Zaleznik e De Vries (1981).

Referências:

DINIZ, Gláucia. Mulher, trabalho e saúde mental. In: CODO, Wanderley. (org.). O trabalho enlouquece? Um encontro entre a clínica e o trabalho. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. pp. 105-138.

HELOANI, José Roberto Montes. Encontro sobre Assédio Moral na Secretaria de Estado da Saúde de Goiás. Auditório da TBC Cultura.  Comunicação verbal. 2014.

BRASIL. Decreto Nº 9.758 de 11 de Abril de 2019. Casa Civil da Presidência da República. Dispõe sobre a forma de tratamento e de endereçamento nas comunicações com agentes públicos da administração pública federal. Diário Oficial da União de 11/04/2019, p. 5 Edição Extra.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Doutor. In: ____. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5 ed. Curitiba: Positivo, 2010. p. 742.

SIGALES-GONÇALVES, Jael Sânera. Doutor é quem tem doutorado: o decreto presidencial sobre as formas de tratamento – Parte I. #Linguística – Blogs de Ciência da Unicamp, 20 dez. 2019d. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/linguistica. Acesso em: 08/08/2024.

VERDI, M.; BUCHELE, F.; TOGNOLI, H. A educação em saúde no contexto da atenção básica de saúde. Educação em saúde [Recurso Eletrônico].Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2010, p. 25-41./2019/12/20/doutor-e-quem-tem-doutorado-o-decreto-presidencial-sobre-as-formas-de-tratam ento-i. Acesso em: 28 de janeiro de 2022.

ZALEZNIK, Abraham; De VRIES, F. R. Kets. Subordinação. In: _____. O poder e a Mente empresarial. São Paulo: Pioneira, 1981, p. 119-138.

Goiânia, 08 de agosto de 2024.

Dra. Elise Alves dos Santos.

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Discurso da festa de lançamento do livro

Boa noite, gente querida.

Peço licença para ler porque essas coisas de observação científica, elas podem desencadear muitas emoções e eu não quero desmanchar minha máscara-maquiagem teórica tão cedo. São tantos nomes, casos e histórias  que deixo pra falar depois no um a um pra quem quiser ouvir. Senão eu vou ter que me virar numa insanidade de agradecimentos extensos que poucas palavras não dão conta. Em ordem alfabética, gente de Anápolis, Bélgica, Brasília, Balneário Camboriú, Canadá, Goiâaaaniaaaa,  França, João Pessoa, Londres, Mineiros,  Palmas, Portugal, Rio de Janeiro, Juíz de Fora, São Miguel do Gostoso. Os convites chegaram para muitos, nem todos puderam vir. Todos e todas, gente do meu coração. 

Falei para alguns de vocês, queria que a festa fosse no dia do meu aniversário, dia 24 de abril, dia do jovem trabalhador, mas o livro não ia ser impresso a tempo, coisas dos tempos do trabalho. Desmarquei a data de abril e remarquei para hoje, dia 22 de junho. No dia 24 de abril fui então passar o primeiro dia da crise dos 40 na última casa do Freud.  Parênteses: eu aceito um prêmio consolação pra quem me deu só um abraço pelo livro, fica devendo um abraço  pelo aniversário. 

Então lá na casa do Freud, fui contando mentalmente pra ele, que eu tive muitas perdas como todo ser humano, extremamente humano, que perdi o prêmio de melhor tese pra um colega da UnB que escreveu sobre a capoeira. Merecido. Discordei com esse colega numa conversa sobre psicanálise uma vez e ele cortou a corda das relações comigo. Meu prêmio, não sei se ele tem…  eu tenho uma turma de amigos estudiosíssimos com quem posso falar e escutar um monte de assuntos e até discordar. Isso é que é prêmio. Não é?! 

 Então… sobre a ideia dessa festa. Loucura…

Durante um tempo me achei deficiente para enxergar o que era uma decisão louca de fazer uma festa dessas. O que conseguia ver era só uma desrazão econômica assumida do tipo que sai da lógica em que vivemos. Devia estar trocando de carro mas escolhi fazer a festa. Celes você lembra quando eu comprei meu primeiro e único carro até hoje, mostrando lá no estacionamento da UnB o brinquedinho novo que tinha comprado pra ir para Brasília. Isso já tem 10 anos!! Fui fazendo uma descrição desse cenário que me lembra a Salpêtrière para me ajudar a compreender alguns investimentos que cada um de vocês aqui é acionista. 
A loucura começa antes de pisar em Paris. Fui construindo a fantasia de estagiar no Salpêtrière onde Freud esteve e dessa fantasia consegui viver uma realidade. 

O dia-a-dia de contato com a vida exumada dos manuscritos de Charcot fez parte de mim. Olhos irritados pela ação dos micro-organismos dos fragmentos dos papéis antigos, garganta comprometida, uma bola de coisas foi fazendo parte do ritual de ressuscitar palavras, decifradas, alcançadas, perdidas, cansadas e diria até,  pedidas para aparecer. Família, amigos, colegas  bibliotecários, e desconhecidos ajudaram-me, sabendo ou não, a dar luz possível para às revelações emergentes das letras, das imagens, dos pensamentos e discussões que iam nascendo. 

A presença benfazeja faz bem, é redundante dizer. Mas digo com propriedade porque as ausências e a presença de pessoas em determinados lugares que conseguem ser poderosas em situações desastrosas, são adoecedoras. Breve lembrete da pandemia onde muito mais que o vírus nos fez adoecer. Em 2019 defendi o doutorado, mas ficar enfurnada em casa na quarentena interminável não me ajudou a escrever o livro. Que período tenso de adoecimento que a gente viveu. Só pra lembrar que a demora para concluir esse livro tem toda essa história que Charcot e Freud não poderiam imaginar mesmo depois da gripe espanhola. Se Charcot ajudou no tratamento de Joséphine, vimos também como as relações contemporâneas podem ser extremamente adoecedores ou curativas. 

Alguém poderia me dizer, a noite é sua, mas assim como a tristeza ou alegria.  Essa atmosfera que a gente está criando aqui vem de todos, então essa noite, só é possível porque estamos todos debaixo do mesmo céu de inverno que a gente aquece na proximidade que a gente faz acontecer aqui,  esse preto firmamento combina bem com a luz de estrela que brilha em cada um vocês, aqui  e agora. Essa festa é nossa. Encharcada do melhor de Charcot, que era um festeiro, cito Victor Hugo: A alegria não é somente alegre; é grande.

Estranho dizer, mas escolhi a festa aqui também por causa desse espaço. Ia ser difícil levar todos para Paris, e aqui que me lembra a arquitetura e a aventura de morar vizinha do Salpêtrière, de pesquisar no hospital onde Freud trabalhou. Arcos visíveis esses elementos que suportam o peso de toda uma estrutura (de um corpo com suas reentrâncias somáticas e psíquicas em extremos do não-saber que se faz conhecer).

Apareceu aí no painel uma foto minha que Alexandre tirou em frente a escultura de Pinel ao lado de um alienado da atualidade. Lembro bem da impressão que fiquei do jovem que parecia querer aparecer comigo no registro do momento atual, que queria capturar o passado. Olhos esbugalhados entre a timidez e a mostração. Assim estou aqui, agora, meio pinel com tanta coisa ainda pra elaborar, desenvolver, viver.

Outra loucura. Ia pedir para todos viessem fantasiados com a moda francesa do século XIX, mas me pareceu forçar uma camisa difícil de servir para as opções de nosso tempo. Resolvi me encharcar de nanquim noir, caneta tinteiro de escrita de Charcot pra gente bisbilhotar depois o que ele escreveu. Mas pra não falar deselegantemente no livro, chamei de pulsão epistemofílica. Rs E vocês, estão todos e todas, bonitos e bonitas com suas fantasias escolhidas para essa noite! Cheios de palavras escritas no contorno da aura de cada um, irrepetível, original.

Entrei na metáfora dos dossiês franceses que fiz descobrir e encomendei macarons cor de papel, com fita de tinta preta pra entregar de lembrança ao final. Os sabores são complexos (três sabores) Quem acertar ganha um doce! Complexos como os conteúdos que me propus pesquisar, e que tem sido pesquisados há tanto tempo e cada vez mais por mais gente comprometida. 

A brincadeira de descobrir sabores não cobra resposta, o doce, recompensa pra quem acertar ou errar é garantido. Porque o mais importante é entrar na brincadeira do palpite baseado em experiência. Além da sobremesa francesa, ofereço também os brasileiríssimos docinhos de leite em pó (meu preferido) e brigadeiros clássicos também. Mais representações de folhas e tinta…

Já falei que é um prazer ter vocês aqui. 

Também escolhi um cardápio de comida confortável com assinatura de chef e tudo. Ela poderia estar na cordon bleue, de Paris, de Londres, mas ela está aqui unindo nossos cordões coloridos,  transformando meu desejo de oferecer – pelo menos por uma noite – o banquete numa festa que gostaríamos que fosse nossa rotina de proletários. 

A noite é especial,  a autora, leitora da própria fala, conseguiu pôr de algum jeito, seu jeito de tentar transmitir o que foi apreendendo… alegria imensa de compartilhar essas próximas horas com vcs. 

Alguns de vocês estavam na festinha à fantasia que fiz em 2019 para comemorar o término do doutorado, pendurei folhas dos dossiês transcritos nas paredes e pilares para decoração. Hoje é festão, consegui coletar e unir as folhas soltas em um livro. Por hora, estou satisfeita e convido vocês para curtir os sons de diferentes estilos e épocas que nos povoam. 

Meus votos são para  que o corpo teórico, o corpo-psiquismo, o corpo-memória, o corpo seu, o meu e o nosso se embale nos extremos dos espaços que conseguimos habitar. Aproveitem a festa, senhoras e senhores ou profitez bien, monsieur et dames! 

Agora se me permitem fazer um coisa meio brega, meio chique, talvez especial… vocês me permitem sem muitos julgamentos? (Ouvi algumas respostas « sim » que me foram suficientes para finalizar meu discurso).

Pra quem a gente ama, a gente promete o céu mesmo sabendo impossível entregar esse presente, então dou a vocês o que eu não tenho, ainda que por um minuto passageiro, recebam meu pedacinho de céu que ofereço a vcs ao som de Stromae que abre a nossa pista de dança! Manda ver Dj!

E o teto retrátil do salão se abre ao controle remoto do maître da Bella Eventos

Goiânia, 27 de junho de 2024.

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Diagnósticos queimados: uma análise crítica sobre Burnout e Burnon*

Eles estavam todos vestidos em uniformes de brutalidade, eh!
Quantos rios nós temos que atravessar?
Antes de podermos falar com o chefe?

(Burn’ and Lootin’, de Bob Marley & The Wailers)

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) publicou em sua rede social, no dia 20 de maio
de 2024, um carrossel com imagens informativas sobre a diferença entre as síndromes
Burnout e Burnon”. A diferença essencial seria que,
no Burnout, o esgotamento profissional é causado por estresse crônico no trabalho em
contextos de baixa realização profissional, enquanto que no Burnon seria um acúmulo
progressivo de estresse em “pessoas perfeccionistas e com disponibilidade excessiva para o
trabalho”, em contextos de alta realização profissional.
Curioso pensar que a demanda no mercado de trabalho por desempenhos
extraordinários alude a um “defeito” ou a uma “característica” de perfeccionismo ou
disponibilidade excessiva que podemos, no discurso, reconhecê-las como negativas
nos processos seletivos para preenchimento de vagas. Mas tais características são
justamente valorizadas pelos candidatos pois eles sabem que, no fundo, é isso que a empresa
quer – dedicação máxima, qualidade ofertada na medida de um sintoma em que a perfeição
pode até mesmo se transformar num extremo de sufixo “ismo”: “meu problema é o
perfeccionismo”. Assim, produzimos subjetividades excessivamente disponíveis que
entendem que essas mesmas características precisam estar presentes e serem
desenvolvidas. Ainda que sejam socialmente reconhecidas como problemáticas, os trabalhadores
parecem entender o discurso hipócrita que defende que as descrições patológicas seriam
antes, uma vantagem competitiva.
A expectativa presumida de que a divulgação dos impactos causados por tais
síndromes pudessem servir de ação de educação em saúde do trabalhador, que pretende a
prevenção e o enfrentamento do esgotamento, pode até ser louvável. No entanto, é preciso
inverter a rota de direcionamento de atribuição da causalidade do esgotamento
profissional. O que precisa de fato ser prevenido e enfrentado são as causas primeiras do
esgotamento, que não estão, na maior parte das vezes, nas individualidades dos
trabalhadores.
Mais do que “promover um ambiente de trabalho equilibrado e oferecer suporte aos
trabalhadores afetados pela rotina laboral”, é preciso questionar o que torna o contexto de
trabalho tão desequilibrado e desigual. A notícia de que o Ministério Público do Trabalho do
Rio Grande do Sul recebeu 60 denúncias de comparecimento obrigatório ao trabalho durante a
crise após as enchentes que atingiram o estado ilustra bem o conflito de interesses na luta
de classes sociais. Assunto que parece querer ser afogado pelos que querem sobreviver à
custa das desgraças alheias. O suporte aos trabalhadores precisa acontecer no âmbito
coletivo, compreendendo que estamos produzindo condições de risco para o adoecimento.
Assim, não é o caso das empresas/instituições devolverem o problema aos
trabalhadores e afirmar que a prioridade é o “autocuidado”, como se cada um cuidando do
próprio umbigo fosse curar uma ferida macrossocial. Estabelecer “limites saudáveis”
envolve a concepção de saúde defendida por nossa sociedade e envolve sobretudo a
condição que cada trabalhador tem de usufruir de sua própria liberdade de expressão, sem
medo de receber retaliações ou de inclusive ser assediado até o ponto de ser demitido ou
de ser forçado a pedir demissão. É óbvio que buscar orientação de profissionais de saúde é
necessário, mas não associar o nexo causal do adoecimento com o trabalho e deixar de priorizar a prevenção, acaba por “tapar o sol com a peneira” na ideologia do self made man.
O acúmulo de estresse crônico no burnout, por exemplo, “que não foi gerenciado com sucesso”, com base na 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), atribui
imediatamente o problema a uma questão de gerenciamento… Dessa forma ao reduzir a situação a uma questão de como administrar o problema, se apaga a discussão política, e a
análise séria que deveríamos estar ocupados nas políticas de saúde do trabalhador e da
trabalhadora.
Os 130 possíveis sintomas diferentes do burnout, por exemplo, não podem ser
considerados fundamentalmente causas da síndrome, as descrições nos manuais e
questionários que existem sobre o tema são mais efeitos de efeitos. Com base em Lima
(2021), chamaria esses sintomas de desdobramentos que acontecem no corpo-psiquismo do(a)
trabalhador(a), descritos fenomenologicamente como: exaustão física e mental,
despersonalização, negativismo, cinismo, problemas cardiovasculares, distúrbios
do sono, depressão, ansiedade, redução da eficácia profissional…
Junto com Assoun (2018), concordamos que não é que sejamos misoneístas no
sentido de recusar o discurso novo, mas, fundamentalmente, a questão do burnout e do
mais novo termo burnon não é nova, as nomenclaturas são uma falsa novidade. Antes dos
alemães cunharem esse termo, o médico e psicanalista francês Christophe Dejours (2004) já
estava investigando a psicodinâmica do trabalho para além da psicopatologia, como os trabalhadores continuam produzindo apesar dos péssimos contextos de trabalho.
Estamos tapando o mal-estar na cultura com esses gadgets sociais. O gadgetBurnout” é
um discurso social atual que comporta uma metáfora interessante, quer dizer, a destruição
do sujeito pelo fogo. No entanto, ele é analisado apenas fenomenologicamente, seja como
resultado do esgotamento e da incapacidade instalada do burnout, seja pela manutenção da
capacidade de trabalho concomitante com os sintomas depressivos.
Para considerar o esgotamento pela perspectiva da psicanálise é preciso como
defende o psicanalista Christian Dunker (2015) propor a diagnóstica (sim, no feminino)
do sujeito com a transversalidade diagnóstica entre disciplinas clínicas (médica,
psicanalítica, psiquiátrica, psicológica); tanto a flutuação discursiva dos efeitos diagnósticos
(jurídico, econômico, moral) como sua incidência no real das diferenças sociais (gênero,
classe, sexualidade). Assim, é preciso reconstruir a forma de vida a partir de um escopo
ético de uma racionalidade diagnóstica de uma maneira ampliada. O esgotamento de uma
mulher negra e pobre, esgotada pelo trabalho é diferente do esgotamento de um homem
branco e de classe social mais privilegiada. Os laços entre trabalho, linguagem e desejo
precisam ser refeitos para se pensar a patologia que se exprime no sintoma, no mal-estar e
no sofrimento – como uma patologia social.
A função essencial na investigação do diagnóstico é importante para fins de pesquisa
e planejamentos, mas o essencial no acompanhamento do sujeito é a sua narrativa, como
ele se implica na construção de sua própria história, juntamente com a análise do contexto
de trabalho em que ele está inserido. E as vozes que dizem que a saúde do trabalhador
importa advém de lugares muito diferentes, de cuidado ou de exploração. Parafraseando Caetano Veloso,
eu diria, “é preciso estar atento e forte, não temos que temer a morte” especialmente, de
um modelo incendiário de produzir a vida.


Referências:
ASSOUN, Paul-Laurent. A Antropologia Psicanalítica: uma chave para pensar o
contemporâneo. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, 21(3), 431-441, set. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1415-4714.2018v21n3p431.2. Entrevistado por Cristina
Lindenmeyer. Transcrição e tradução: Elise Alves dos Santos e Vivian Ligeiro, 2018.

DEJOURS, Christophe.  Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Selma Lancman & Laerte I. Sznelman (organizadores). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Brasília: Paralelo 15, 2004. 346 pp.

DUNKER, C.I. L. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre
muros. São Paulo: Boitempo, 2015.

LIMA, Estevam Vaz de. Burnout: a doença que não existe. 1ª ed. Curitiba: Appris,
2021, 159 p.

Goiânia, 22 de maio de 2024.

Dra. Elise Alves dos Santos.

*Texto aceito para publicação no Boletim Informativo de Saúde do Trabalhador do Estado de Goiás em agosto de 2024.

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Um anjo que caiu do céu

Quem me dera poder fazer uma poesia para falar da vida de alguém. O título remete a uma expressão amorosa que usamos quando uma pessoa chega na vida de outras para torná-la bem cuidada, tratada com carinho, atenção. Enfim, é uma dádiva da vida ser agraciado com um anjo que cai dos céus para estar conosco. Seu nome era Ângelo, mas seu apelido, era “anjinho”.

O Anjinho que vivia a melhor fase de sua vida, segundo seus amigos e familiares, e até minha percepção dos breves encontros que nos restaram de décadas de convivência enquanto vizinhos de moradia, nas conversas rápidas de elevador, mas nada superficiais, porque Anjinho, generoso que era, “dava o que tinha” no contato amoroso com todos com quem encontrava. 

Mas diante da morte, irrepresentável e sem poesia que dê conta de aplacar o sofrimento, nos falta demais, faltam tantas palavras que me sinto convocada a trazer um monte delas, tentar colocar – não digo sentido, mas algum consolo, vontade de fazer justiça à sua vida. Enxurrada de “moções pulsionais”, eu escreveria para Freud se tivesse talento suficiente, aos modos de Lou-Andreas Salomé, e diria que essa expressão que especifica um estímulo interno determinado, tem na morte do semelhante a fonte mais produtiva, atualiza o sentir, o pensar, a pulsão em ato, essa coisa endógena que é a dor, a novela que se presta a mostrar descaradamente e detidamente sobre a dor é tão impactante que chega dói.

Uma psicóloga do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do ABC Paulista1 me envia a notícia de que encontraram o corpo dele. Como queríamos não ter tido essa notícia: da agonia do desaparecimento, da esperança de sobrevida mesclada com o desespero da falta de respostas.

No mesmo dia, pela manhã, eu contava para alguns amigos sobre o ocorrido, e eu mesma havia dito (consolo para mim mesma, frases reiteradamente repetidas que tentam trazer algum conforto ou compensação pela morte): “Morreu fazendo o que gostava”. Que bom que fazer o que gostava foi possível. 

É isso que pudemos ver em seu velório. A maior sala do cemitério Jardim das Palmeiras repleta de coroa de flores – eu contei 30, porque nessas horas acho que queria objetivar quantas homenagens estavam em curso, e quantas serão insuficientes para dizer o quanto sua vida era preciosa. 

Anjinho se encontrou na profissão que o permitia voar. A mágica que nos envolve a todos desde antes de Santos Dumont, nosso desejo de liberdade, de realizar a loucura de ter braços voadores que nos permitem movimentar nos espaços onde nossas pernas jamais conseguiriam ir. Querer falar de um jeito bonito, não me faz ser menos envolvida com a técnica. Ele deveria ter tido a chance de continuar alçando voos.

Sei que está muito cedo para os enlutados mais próximos, mas não é preciso ler A negação da Morte de Ernest Becker para dizer que o discurso de resignação aparece muito rapidamente para os crentes de que um ser maior assim o quis. Tentar tampar o buraco enorme que a falta de Anjinho vai fazer é muito compreensível e socialmente aceito. E todas as manifestações de fé devem ser aceitas, incluindo a fé na ciência. 

E é por isso – meus amigos do Edifício Itaipu, com tive a grata experiência de partilhar toda adolescência – que convido ao trabalho do luto, que mais do que percorrer as fases estabelecidas por Elizabeth Klüber-Ross (algumas etapas acontecem essencialmente em ciclos), deve sustentar além da aceitação mas (também) a negação da morte, pois os riscos “inerentes” ao trabalho de voar precisam ser melhor observados. 

Finalizo, aquilo que pretendia ser uma condolência, como também uma incitação à fase de revolta, não somente ao que o choro, e tantas outras modificações orgânicas – inclusive o retorno ao inorgânico – podem causar. A ideia de re-volta, de voltar a dar a volta, percorrer novamente o caminho do estranhamento (o que aconteceu realmente?, o que poderia de fato ter sido evitado?, por que?). A investigação de um acidente de trabalho fatal passa por uma demanda. 

Não! Não, está tudo bem. Precisamos reconhecer coletivamente que embora o tempo possa aplacar o extremo sofrimento, ele deixa marcas indeléveis, algumas tão inconscientes e poderosas que jamais poderemos imaginar. Deixemos que nossas moções pulsionais nos mobilizem para buscar outros caminhos para a segurança dos trabalhadores perdidos nos ares, nas matas densas, no escuro das noites sem estrelas.

O Anjinho que caiu dos céus não pode mais estar conosco como antes. Que sua presença em memória seja resgatada. Nesse “Abril Verde”2, a notificação deste acidente de trabalho fatal, desta tragédia, deve ser, sem dúvida, investigada. Fica para nossa herança acompanhar as ações reclamadas para garantir a continuidade da vida de trabalhadores do céu – que não deveriam literalmente ter de dar suas vidas à profissão – eles, precisam poder voltar à terra. 

  1.  Eliane Pintor já nos agraciou com sua presença no Seminário sobre Saúde Mental no Trabalho, que pude organizar em nome do CEREST Goiás em 2023, com sua vinda patrocinada pelo Ministério Público do Trabalho em Goiás.
  2.  Abril Verde é uma campanha de conscientização realizada durante todo o mês de abril e que busca chamar a atenção para a importância da prevenção de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.

Elise Alves dos Santos,

Goiânia, 02 de abril de 2024.

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Barulho, distúrbios psicológicos e sua interpretação*

Quando fui professora de Comportamento Organizacional em uma pós-graduação em Pedagogia Empresarial, utilizei o livro de Psicologia Social como referência de base para a disciplina. Revendo o material, me chamou atenção as contribuições da Psicologia Ambiental como campo de investigação e estudos sobre espaço pessoal, comportamento territorial e relações com o meio ambiente compartilhado. As ideias dos autores sobre a aplicação da psicologia em áreas como o Meio Ambiente e o Direito me reportou diretamente ao ambiente de trabalho. Eles pareciam descrever a situação de trabalho vivenciada no ato mesmo da leitura. No serviço público e na maioria dos ambientes de trabalho, regra geral, os espaços são restritos e/ou compartilhados, mas não necessariamente há cuidado com o barulho. A questão da atitude em relação ao barulho pode ser sublinhada nos estudos de Cohen (1986), apud Rodrigues, Assmar e Jablonski (2000, p. 415) que mostram como “o barulho das cidades danifica tanto a psique quanto os tímpanos”. Trata-se de uma sobrecarga sensorial, de vocativos verbais e desabafos ruidosos, que repetem estimulações bombardeadas entre colegas de trabalho1.

Além da própria voz que busca a todo custo se externar em quaisquer possibilidades e ambientes, existem ainda outros sons. Músicas, palestras, conversas vindas de aparelhos eletrônicos de comunicação, alarmes, mensagens sonoras, alvoroços barulhentos de vídeos e áudios compartilhados, e nada disso no modo silencioso ou com uso de fones de ouvido. Um estresse reiteradamente repetido que exige da capacidade de processamento de um excesso de excitações. O que pode ser, psicanaliticamente falando, bem traumático e provocar, em longo prazo, uma exaustão emocional.

Os aparelhos pessoais de comunicação facilitam nosso trabalho (ainda que não custeados pelo empregador na maioria das vezes) mas quando utilizados sem fones de ouvido, ou fora de espaços reservados, seja em ligações particulares atendidas em pleno posto de trabalho ou conversas entre colegas, acionam os perigos da superestimulação. A publicização da vida particular sem questionamento desconsidera a presença do outro ao seu redor.

O trabalhador acaba se comportando de forma a não se importar com a disponibilidade do ouvido alheio, sem o menor constrangimento em agir exclusivamente conforme o próprio interesse (na maior parte das vezes por não estar em consciência do feito, portanto), sem saber se o que está falando pode interessar ou atrapalhar quem está próximo. O barulho nos torna menos sociáveis, agrava problemas mentais e estimula a agressividade, segundo o autor supracitado e segundo os relatos de experiências que estamos acostumadas a ouvir na clínica do trabalho que nos chega no consultório da clínica psicológica e psicanalítica.

O agravo de saúde do trabalhador “Perda Auditiva Induzida por Ruído” (PAIR) apresenta, em seu protocolo, efeitos não-auditivos da exposição ao ruído. Dentre eles, transtornos comportamentais ou distúrbios psicológicos diversos como nervosismo, irritabilidade, ansiedade. O corpo-psiquismo – embora tenha manifestações diversas biopsicossociais – é afetado pela soma de ruído e pode estar associado a uma maior incidência de dores de cabeça, náusea, bem como transtornos da comunicação, neurológicos, vestibulares, alterações gastrointestinais, do sono, da visão, do sistema circulatório, da visão, e até mesmo impotência sexual (Rodrigues, Assmar e Jablonski, 2000 e Brasil, 2006).

Um outro agravante para a saúde mental refere-se a maneira como nós sentimos o ruído, uma vez que a capacidade de sentir enquanto reação à percepção dos decibéis depende tanto do ruído em si, quanto de nossas atitudes em relação a ele. A sensibilidade aos ruídos é aumentada quando o trabalhador entra numa fase de sobretrabalho, o que aumenta sua irritabilidade (Silva, 2011).

Afinal, o barulho é um termo psicológico aos sons que julgamos desagradáveis: uma música de heavy metal pode ser fonte de indescritíveis prazeres para uns e de poderosa tortura para outros. No ambiente de trabalho, as conversas em tom alto de voz, característica quase que considerada latino-americana, nos remete a uma análise de fatores subjetivos que incidem sobre a interpretação ou atribuição que damos ao grau de desconforto percebido com o barulho.

Há uma cultura do falar mais alto que pode indicar a vontade literal de falar mais alto que o outro, se fazer ouvido pela força do som emitida pelo aparelho fonoaudiológico. Ter voz reconhecida pelo outro (seu conteúdo) é outra coisa. Assim, quando é possível algum tratamento em relação ao barulho, utilização de fones de ouvido que cancelem em certa medida o ruído, a sensação de controle sobre o fator de risco2 à saúde aumenta. Quando podemos analisar qual situação está nos incomodando e ela pode ser reconhecida, a referida sensação pode atenuar o incômodo do barulho indesejável pelas intervenções que daí podem surgir.

Os autores da Psicologia Social nos dão um exemplo profícuo para pensar a interpretação como recurso para propiciar elaboração da sensação de ruído: embora caminhões de carga pesada sejam mais barulhentos que motocicletas, tendemos a nos queixar mais destas últimas, talvez por acreditarmos aos primeiros um serviço de utilidade pública. O princípio de fazer sobrepujar o interesse do público sobre o individual nos permite realçar nossa percepção de justiça social. Como dissemos para nós mesmos: “é por uma causa nobre” ou justificável ou ainda, mais compreensível.

Fica o alerta para o barulho causa determinante, contributiva ou latente para o desencadeamento dos efeitos danosos que citamos aqui. A consideração dos barulhos contínuos enquanto fator de risco vai além do prejuízo aos tímpanos em função dos decibéis “a mais”. Nossa saúde psíquica também está em jogo. Assim, a investigação dos transtornos mentais relacionados ao trabalho contribuem em sua definição de caso3 (Brasil, 2019) para investigar a PAIR. No trabalho de notificação compulsória dos agravos de saúde do trabalhador (Goiás, 2006) os sintomas devem ser escutados pelos profissionais de saúde dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e toda Rede de Atenção Psicossocial. Essa escuta permite que seja dada a devida atenção aos fatores corriqueiros como o ruído, o barulho constante como um agravo à condição de saúde psíquica e que podem estar associados à rotina de vida dos(as) trabalhadores(as).

Às vezes, pouco se pode fazer com “o leite derramado”, estamos limpando o chão, usando do distanciamento emocional e cultivo da insensibilidade como formas de defesa contra as demandas excessivas características do meio ambiente de trabalho (Rodrigues, Assmar e Jablonski, 2000). Contudo, é preciso levar em conta a experiência de Bernardino Ramazzini (Santos e cols. 2018, In: Goiás, 2018), desde o século XVII nos dizendo que “é melhor prevenir que remediar”. Baixar o tom da voz para elevar o nível de cuidado.

Notas:

*Texto escrito para o Boletim de Saúde do Trabalhador da Gerência de Vigilância Ambiental e Saúde do Trabalhador.

1 Aqui caberia uma outra discussão sobre o espaço de fala, de escuta, de discussão e de valorização do trabalhador, que na sua falta, pode muitas das vezes se transformar em voz que não quer a todo custo se calar.

2 Considera-se fatores de risco aqueles decorrentes da exposição aos agentes presentes no ambiente de trabalho, que em função de sua natureza, concentração ou intensidade e tempo de exposição, são capazes de causar danos à saúde do trabalhador (Goiás, 2009).

3 Definição de caso de Transtornos mentais relacionados ao trabalho: Todo caso de sofrimento emocional em suas diversas formas de manifestação tais como: choro fácil, tristeza, medo excessivo, doenças psicossomáticas, agitação, irritação, nervosismo, ansiedade, taquicardia, sudorese, insegurança, entre outros sintomas que podem indicar o desenvolvimento ou agravo de transtornos mentais utilizando os CID – 10: Transtornos mentais e comportamentais (F00 a F99), Alcoolismo (Y90 e 55 [Digite texto] DDT-TMRT Y91), Síndrome de Burnout (Z73.0), Sintomas e sinais relativos à cognição, à percepção, ao estado emocional e ao comportamento (R40 a R46), Pessoas com riscos potenciais à saúde relacionados com circunstâncias socioeconômicas e psicossociais (Z55 a Z65), Circunstância relativa às condições de trabalho (Y96) e Lesão autoprovocada intencionalmente (X60 a X84), os quais têm como elementos causais fatores de risco relacionados ao trabalho, sejam resultantes da sua organização e gestão ou por exposição a determinados agentes tóxicos (Brasil, 2019).

Referências:

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Perda Auditiva induzida por Ruído (Pair). Saúde do Trabalhador Protocolos de Complexidade Diferenciada. Volume 5. Série A. Normas e Manuais Técnicos. Brasília: DF, 2006, pp. 40.

BRASIL.. Ministério da Saúde Secretaria de Vigilância em Saúde Departamento de Saúde Ambiental, do Trabalhador e Vigilância das Emergências em Saúde Pública. Nota Informativa Nº 94/2019-DSASTE/SVS/MS. Orientação sobre as novas definições dos agravos e doenças relacionados ao trabalho do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Brasília, 2019.

GOIÁS. Decreto Nº 6.906, de 30 de abril de 2009. Regulamenta a competência da Secretaria de Estado da Saúde quanto à saúde do trabalhador. Gabinete Civil da Governadoria. Governo do Estado. Portaria Nº 1128 de 28 de dezembro de 2018. Aprova as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas para Transtornos Mentais relacionados ao Trabalho. Diário Oficial do Estado de Goiás, Goiânia, quarta-feira, 02 de janeiro de 2019, Ano 182 – Diário Oficial/GO N° 22.963 p. 23.

GOIÁS. Secretaria de Estado da Saúde de Goiás. Portaria Nº 34 de 9 de março de 2006. Torna os agravos de saúde do trabalhador de notificação compulsória no Estado de Goiás. Disponível em: https://www.saude.go.gov.br/component/content/article/337-suvisa/18483-legislacoes-estadua is-sa ude-do-trabalhador?Itemid=101 Acesso em: 17 de jan. de 2024.

RODRIGUES, Aroldo; ASSMAR, Eveline Maria Leal; JABLONSKI, Bernardo. Algumas áreas de aplicação da psicologia social. In: RODRIGUES, Aroldo; ASSMAR, Eveline Maria Leal; JABLONSKI, Bernardo. Psicologia Social. 19 ed. reformulada. Petrópolis: Vozes, 2000, pp. 395-419.

SILVA, Edith Seligmann. Psicopatologia da recessão e do desemprego. In: SILVA, Edith Seligmann. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez Editora, 2011, pp. 401-457.

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De janeiro a janeiro a saúde mental não passa em branco

O inconsciente é um conceito que já encontramos em autores clássicos como Spinoza, Nietzsche, Kant e outros. Mas, Sigmund Freud foi o responsável pelo fato desta descoberta, baseada em um corpo de experiências clínicas e estudos teóricos, que mostram que tal descoberta foi uma das mais importantes e revolucionárias aos profissionais que estão seriamente comprometidos com a ciência do homem.

Erick Fromm (1977), no seu texto Consciência e sociedade industrial, nos lembra que Freud descobriu em detalhes que podemos ter emoções, ansiedade, temor, tensão das quais não temos conhecimento e que sem dúvida existem no nosso sistema fisiológico e mental. Freud tinha razão antes e nos ajuda agora a entender como a angústia, a falta de identidade, a apatia e a insegurança no mundo contemporâneo são objetos de repressão nos (nas) trabalhadores(as).

Podemos dizer que a saúde mental está, na maior parte das vezes, no porão da casa de cuidados com a saúde, como se ela fosse guardada enquanto projeto de política e intervenção. Embora tenhamos várias possibilidades de análise para essa questão, chamamos atenção para certas classes de tomadores de decisões (pertencentes a determinadas classes sociais, obviamente) que tentam impedir que certos pensamentos ou propostas de vida no trabalho cheguem ao nosso conhecimento e que permaneçam na inconsciência.

A comparação do psicanalista nos permite dizer que aquilo que está inconsciente deve (no porão) ascender ao primeiro andar da consciência, ou seja, trabalhamos para que possamos ter conhecimento (ainda que limitado) sobre aquilo que nos faz, em última instância, viver ou morrer.

A psicanálise tem nos mostrado que o principal motivo de algumas repressões, recusas ou renúncias no mundo do trabalho é de caráter afetivo. A história engendrou nos homens e cada vez mais nas mulheres também, o medo de perder condições de privilégio, de se separar de propriedades e recursos acumulados, dos assentos de poder e claro, temores de nem sequer ser incluído na sociedade de consumo, mercado e espetáculo em que vivemos na contemporaneidade.

Se por um lado, temos esses riscos encobertos pelo modo de produzir a vida, por outro lado, temos os riscos iminentes gerados pela fome, pobreza, vergonha e precarização generalizada das condições de produzir e manter a vida enquanto trabalhadores. Desde cedo, a família superadaptada à lógica de exploração transfere a cultura da ameaça às suas crianças, treinadas desde cedo para serem na idade adulta, trabalhadores que não fracassem dentro de uma sociedade perversa. Sociedade neoliberal, esta do cansaço constante, demasiadamente rígida e impostora que não propicia sequer tempo para sonhar.

Cada sociedade cria uma forma própria de repressão, de “inconsciência social” (Fromm, 1977, p. 130) necessária ao seu funcionamento. Esse “mundo velho de guerras” tem um esquema pré-fabricado que determina qual parte do conteúdo se fará consciente e qual parte permanecerá inconsciente. Assim, muitas práticas psicológicas (com alívio percebemos que tem sido vigiadas e denunciadas por meio de notas técnicas pelos conselhos profissionais) defendem ações irracionais e pouco críticas para enfrentar condições enlouquecedoras de vida no mundo. Tais práticas vão proliferando consensos que transformam o imoral em moral, o irracional em racional, invertendo a luta pelas transformações pela dignidade dos pactos sociais civilizatórios, pela saúde, pela vida…

Nesse sentido, o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Estado de Goiás (CEREST Goiás), a partir do trabalho de suas psicólogas[1], tem trabalhado numa perspectiva de vigilância epistemológica para oferecer e divulgar materiais que auxiliem na promoção responsável da saúde mental dos trabalhadores. São exemplos destes materiais as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas para Transtornos Mentais e a Nota Técnica que estabelece medidas de prevenção, enfrentamento e tratamento para o assédio moral no Estado de Goiás[2].

A saúde mental do trabalhador e da trabalhadora (SMTT) enquanto política pública ainda ocupa um lugar marginal muitas vezes, que não possui visibilidade e investimento. Estamos então em condição de pouca visão, às vezes cegueira, ou ainda, estamos inconscientes da função humana de buscar conhecer, observar o que existe “dentro e fora” dos nossos processos de saúde e adoecimento.

Em consonância à Política Estadual de Atenção, cuidados e proteção da Saúde Mental do Estado de Goiás (Lei Nº 21.292, de 6 de abril de 2022) o I Seminário sobre saúde mental do trabalhador e da trabalhadora: reflexões sobre a prática clínico-institucional, realizado pelo CEREST Goiás em novembro de 2023, cumpriu justamente o objetivo do art. 3º, inciso I: incentivar a realização de (…) seminários com educadores e especialistas em saúde mental, que esclareçam a questão da violência psicológica, saúde emocional, adoecimento mental e cuidados.

O homem é livre no sonho e podemos afirmar, com base em Fromm (1977) que este é o único estado em que a liberdade humana se estabelece de forma praticamente completa. Quem é impedido de sonhar, pode apresentar sintomas de perturbações mentais. Em nome da saúde mental, faço um elogio aos sonhos de quem trabalha.

A homenagem não é para reforçar uma ideia de algo utópico, distante ou de “outro mundo” de processos primários[3], mas sim de realçar o sonho como produção inconsciente que nos revela o desejo de alavancar melhores condições de vida na saúde mental dos trabalhadores e trabalhadoras (SMTT). Assim, o sonho é um trabalho do psiquismo que deve ser ouvido, interpretado, pois é difícil obter conhecimento de algo que não se designe com as palavras. É com a voz dada à linguagem que abrimos terreno para o processo secundário, vigilantes ao que ameaça os projetos e intervenções de cuidado significativos para a vida.

E como o inconsciente pode chegar a ser consciente? Fromm (1977) elabora uma resposta: quando desaparecer o conflito básico entre os interesses de uma sociedade e os de cada indivíduo dessa sociedade. Se isso ocorresse, a sociedade não teria que deformar, ameaçar, nem “lavar cérebros”, tampouco seria necessário bloquear a realidade para que ela não fosse percebida por nossa mente consciente.

Referências:

FROMM, Erich. Consciência e sociedade industrial. In: FORACCHI, Marialice Mencarini; MARTINS, José de Souza  (org.). Sociologia e Sociedade: Leituras de Introdução à Sociologia. 1. ed.  LTC, 1977,  p. 126-134.

GOIAS. Lei Nº 21.292, de 6 de abril de 2022. Institui a Política Estadual de Atenção, Cuidados e Proteção da Saúde Mental. Disponível em: https://legisla.casacivil.go.gov.br /api/v2/pesquisa/legislacoes/105292/pdf#:~:text=ABRIL%20DE%202022-,Institui%20a%20Pol%C3%ADtica%20Estadual%20de%20Aten%C3%A7%C3%A3o%2C%20Cuidados%20e%20Prote%C3%A7%C3%A3o%20da,Art. Acesso em:10 de jan de 2024.


[1] A autora deste texto e a psicóloga do CEREST Goiás Ana Flávia Coutinho.

[2] Disponíveis em: https://www.saude.go.gov.br/files/saude-do-trabalhador/cerest/DDT-TMRT%202023.pdf

[3] Na obra freudiana denomina-se “processo primário” o que se dá na primeira infância ou no sonho, onde isoladas dos estímulos externos ficamos, de certa forma, livres da necessidade de enfrentar a realidade. Enquanto que “processo secundário” é a característica da vida normal de vigília, cuja função sócio-biológica essencial é cuidar da sobrevivência.

Goiânia, 30 de janeiro de 2024.

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Assédio Moral no Trabalho no Estado de Goiás: Uma retrospectiva das iniciativas

O Dia Estadual de Combate e Prevenção ao Assédio Moral e Sexual nas relações de trabalho (21 de junho) foi instituído pela Lei Nº 20.470 de 26 de abril de 2019. Para celebrar a data, resgato o histórico das ações no Estado de Goiás, conteúdo que compõe o projeto de trabalho da equipe de Psicologia do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Estado de Goiás (eP- CEREST Goiás).

Em 2010, lotada na Coordenação de Atenção Psicossocial da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás / Gerência de Gestão de Desenvolvimento de Pessoas (CAPSES / GGDP / SES-GO) tive conhecimento da Lei Nº 17.161, de 30 de setembro de 2010, que dispunha sobre a proibição de assédio moral no âmbito da administração pública estadual. O Decreto Nº 9.837, de 23 de março de 2021, realça em sua instituição do código de ética “o servidor” e “a alta administração”, e dele depreende-se que os comportamentos relativos ao assédio moral indesejados que devem ser simplesmente evitados. Mas há mais de uma década antes a CAPSES já realizava atendimentos de servidores que se queixavam de assédio moral no trabalho que até então era proibido.

O contexto da época era de instalação das Organizações Sociais na gestão de Unidades de Saúde no Estado de Goiás. Os casos suspeitos de assédio moral  aumentavam, bem como o número de atendimento aos servidores. Ainda em 2010, a Seção do Ministério da Saúde em Goiás solicitou auxílio da SES-GO para a identificação de práticas de assédio moral no trabalho. Representando a CAPSES, busquei conhecer as práticas de gestão em outros órgãos públicos do Estado de Goiás para saber quais ações acerca do enfrentamento do assédio moral eram realizadas no Estado. Sem registros de ações sistematizadas, confeccionei uma adaptação do questionário sobre assédio moral no trabalho, com base nos conteúdos acessados do trabalho realizado pelo Professor Dr. José Roberto Heloani, referência no país na temática do assédio moral no trabalho (FREITAS, HELOANI & BARRETO, 2008).

Em seguida foi criado um grupo de trabalho na SES-GO para abordar essa temática, a CAPSES redigiu uma carta aberta em meados de 2012 ao referido grupo acerca da escuta psicológica para orientar a discussão da construção do fluxograma de atendimento a servidores da SES envolvidos em situações de violência no trabalho. A partir de então iniciei um processo de leituras e estudos que culminou na realização do I Encontro sobre Assédio Moral no Trabalho na SES-GO, com a presença do prof. Dr. Heloani.

Após 4 anos da publicação da Lei Nº 17.161/2010 que proibia o assédio moral, uma nova lei foi publicada em Goiás: a Lei Nº 18.456, de 30 de Abril de 2014, que revogou a anterior. Foram vetados integralmente pela Governadoria os parágrafos 8º, 9º e 10º do artigo 5º do autógrafo de lei, que diz respeito às penalidades impostas à prática do assédio moral, observada a reincidência e a gravidade dos fatos apurados (ALEGO, 2014). No texto atual a palavra “proibição” referida à prática de assédio moral é retirada do caput da Lei que disporá então sobre a prevenção e a punição de assédio moral no âmbito da administração estadual. O artigo 15 desta mesma Lei institui o Dia Estadual de Luta contra o assédio moral, a ser celebrado anualmente, no dia 2 de maio.

A partir de 2015, tendo aceitado o trabalho para compor a eP do CEREST Goiás assumi a responsabilidade pela estruturação do trabalho referente ao agravo/doença “transtornos mentais relacionados ao trabalho”, acompanhou o desenvolvimento do trabalho de atendimento de casos suspeitos de assédio moral pela equipe da CAPSES ao longo dos anos. A referida equipe foi considerada juntamente com a Ouvidoria da SES e outras áreas, destaque na implementação de ações relativas aos casos de assédio moral no trabalho diante de outros órgãos públicos em Goiás.

Em dezembro de 2020, a eP do CEREST Goiás foi solicitada pela Gerência de Vigilância Ambiental e Saúde do Trabalhador (GVAST) da Superintendência de Vigilância em Saúde (SUVISA) da SES-GO para redigir uma nota técnica para assédio moral no trabalho. A partir de então, os documentos anteriormente produzidos na CAPSES foram recuperados.

Nesse ínterim, a coordenação de Vigilância em Saúde do Trabalhador (CVSAT), questionou a pertinência de se fiscalizar as denúncias de assédio moral no trabalho e buscou auxílio junto ao CEREST para compilar argumentos legais para esta atuação inovadora. A eP/CEREST apresentou proposta de questionário de riscos psicossociais no trabalho para ser utilizado nas fiscalizações em saúde do trabalhador e depois foi convidada a ministrar curso sobre riscos psicossociais no trabalho, ocasião em que o questionário foi discutido e reavaliado. A eP do CEREST Goiás enviou uma minuta da nota em janeiro de 2021 para contribuições das colegas da CAPSES e da CVSAT – GVSAT.

Na sequência a eP do CEREST Goiás foi convidada a participar de uma reunião com a GGDP e informa-se dos avanços de seus processos de trabalho e a aproximação com a CAPSES é retomada, novas leituras e estudos são feitos para compor a construção da nota técnica solicitada. Em março de 2021, deu-se início à revisão do fluxograma de atendimento de casos suspeitos de assédio moral no trabalho da CAPSES.

Considerando a história de desenvolvimento do tema na SES-GO, entendemos que o percurso transcorrido com seus acontecimentos, demandas e avanços foi também uma resposta para a necessidade garantir a universalidade enquanto princípio da Política Estadual de Saúde do Trabalhador, consoante ao Art. 3 da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (BRASIL, 2012), que considera:

 A Saúde é um direito fundamental de todos os trabalhadores, urbanos e rurais, independente da sua inserção no mercado de trabalho e do vínculo empregatício no setor formal ou informal da economia, inclusive os que estão em situação de desemprego, cabendo ao Estado garantir as condições indispensáveis ao seu pleno exercício e o acesso à atenção, promoção, prevenção, proteção, recuperação, reabilitação e a assistência à saúde em todos os níveis de complexidade (GOIÁS, 2012).

Após período trabalhoso de leitura, estudos, escrita e revisões, a eP/CEREST-GO realizou uma Oficina de Consulta pública da proposta de nota técnica, convidando especialistas e diversos profissionais envolvidos no tema. Após revisões e acréscimos necessários, foi publicada a Portaria Nº 2859/2022 no Diário Oficial do Estado de Goiás: a Nota técnica passa a ser instrumento legitimado pela administração pública que estabelece medidas de prevenção, enfrentamento e tratamento do Assédio Moral no Trabalho no Estado de Goiás. Com base nesta nota técnica a eP-CEREST Goiás tem atendido às demandas de supervisão técnico-pedagógica e clínico-institucional para os CERESTs envolvidos com a temática.

Referências:

ALEGO. Portal da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. Vetado parcialmente projeto sobre assédio moral. Notícia de 08 de Maio de 2014 às 17:11. Disponível em:https://portal.al.go.leg.br/noticias/63809/vetado-parcialmente-projeto-sobre-assedio-moral Acesso em: 07/06/2023.

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria Nº 1.823, de 23 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. Diário Oficial da União – Ano CXLIX, Nº 165, Seção I, p. 46-51 – Brasília-DF, sexta-feira, 24 de agosto de 2012.

  . Ministério da Saúde. Portaria Nº 1.206 de 24 de outubro de 2013. Altera o cadastramento dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES). Brasília: Ministério da Saúde, 2013. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de outubro de 2013. Seção 1, p. 67.

FREITAS, Maria Ester; HELOANI, Roberto; BARRETO, Margarida. Assédio moral no trabalho. Coleção Debates em Administração. São Paulo: Cencage Learning, 2008.

GOIÁS. Lei Nº 17.161, de 30 de setembro de 2010. Dispõe sobre a proibição de assédio moral no âmbito da Administração Direta e Indireta do Estado de Goiás, revogada pela Lei Nº 18.456, de 30 de abril de 2014.

______. Portaria Nº 323, de 03 de outubro de 2012. Aprova a Política Estadual de Saúde do Trabalhador – PEST – para Goiás. Goiânia: Secretaria de Estado de Saúde, 2012. Diário Oficial de 11 de outubro de 2012, Ano 176 – Diário Oficial / GO Nº 21.448.

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Ensaios

Acolhimento e solidariedade no trabalho: um exemplo de imigração do Brasil para França – conversa com a chef Alessandra Montagne no restaurante “Nosso”.

Quando alguém busca imigração, algumas palavras e expressões chaves vêem em seu bojo: trabalho, melhores condições de existência, ser cidadão. A chef franco-brasileira Alessandra Montagne, nascida no dia internacional da mulher, na favela do Vidigal, no Rio de Janeiro e criada no interior de Minas Gerais, mudou-se para Paris, para provar outra vida possível de amar e trabalhar, os pilares para uma saúde mental razoavelmente equilibrada, segundo Freud. Em março de 2023 pude me reencontrar com Alessandra, durante um serviço de alta gastronomia francesa com entrada, prato principal e sobremesa em seu restaurante Nosso, no 13º distrito de Paris. Esse bate-papo cheio de revelações sobre sua trajetória de trabalho nos dá exemplos de como sua saúde mental pôde ser recuperada na experiência de imigração. Quando chegou em Paris, aos 22 anos, a jovem carregava marcas da violência, vítima de abandono quando ainda era um bebê, de bullying no internato onde estudou e ainda vítima das agressões do primeiro marido no Brasil. Com uma história de tantas experiências traumáticas, ela não poderia imaginar que se tornaria uma chef de cozinha reconhecida por estrelas da gastronomia francesa e por tantas personalidades, como o presidente da França, Emmanuel Macron. Durante seu processo de ascensão, Alessandra direcionou suas energias ao trabalho e contou como era dividir a vida na cozinha e de mãe, que cuidava do filho no quarto que alugava ao lado do restaurante onde trabalhava. Ainda que certificada por diplomas franceses, de atitude profissional em cozinha e pâtisserie (WOWWOMAN, 2023), à medida que crescia enquanto profissional, sentia-se por vezes acometida da síndrome do impostor, muito estressada pela expectativa de reconhecimento (BIAL, 2023). Dentre as várias situações que a colocaram à prova de suas capacidades, antes ou durante os apertos da vida, ela me contou que teve um acometimento em seu corpo – perda auditiva parcial – que ela atribui às intensas vivências de angústia que transbordaram em determinado momento. Material que caberia uma notificação de transtornos neuróticos, do estresse e somatoformes relacionados ao trabalho. Entretanto, do sofrimento, ela se recriou com o trabalho “porque sofrer faz parte da vida e a maneira como você gera seu sofrimento define a pessoa que você é”, conta Alessandra após cuidar de suas feridas emocionais. Alessandra buscou psicoterapia e pôde aprender pelos novos caminhos que trilhou durante os percalços da pandemia. O processo de escrita de sua história, facilitou com que ela pudesse “fazer as pazes” com os conflitos pelos quais passou. A chef acaba de lançar o cativante livro: “Minha cozinha de coração”, lançado em fevereiro de 2023. Nele ela relata, com simplicidade e beleza a realidade de condições de vida no interior de Minas Gerais onde foi criada pelos avós e depois em Paris, toda uma trajetória de parcerias generosas de profissionais que contribuíram em sua formação de trabalho. Dentre vários relatos presentes nas páginas iniciais de seu livro, consta a do grande chef Alain Ducasse, francês de renome internacional, que a considera uma cozinheira notável e bem mais que isso: “uma mulher que mostra o caminho. Aquele de uma cozinha de amor. De força de vida”. Gradiva, aquela que anda, ou aquela que brilha ao caminhar (FREUD, 1907/1996; FREUD, 1907/2015). Dentre tantas lições, observamos no contato com Alessandra, uma trabalhadora consciente dos obstáculos que teve sendo mulher, pobre e negra num continente caucasiano. Ao longo de sua trajetória, coletamos atitudes que fizeram valer sua conduta de inclusão da diversidade nos empreendimentos realizados na área da saúde nutricional no período da pandemia. A chef ingressou numa escola de naturopatia que passou a ocupar em sua mentalidade o uso dos recursos sem desperdício (RFI, 2022). A chef pode ser vista cozinhando para refugiados ou em eventos populares – como a tradicional festa anual do centenário jornal L’Humanité – ou debates na Unesco sobre alimentação sustentável e de respeito ao meio ambiente (EICHENBERG, 2019). O tratamento dispensado aos colegas de trabalho é de cumplicidade e amor. Gestos simples ao cumprimentar as pessoas, resolver pequenos problemas que surgem, inclusive sua presença acolhedora em momentos de entrevista para emprego no restaurante. Alessandra me convidou para participar deste momento, junto de uma jovem parisiense, na ocasião perguntei por que aqui com Alessandra? Em outras palavras, a jovem muito segura respondeu, em outras palavras: “porque é ela”. Esta tarde compartilhada no Nosso, com Alessandra, faz perceber com quem tem o privilégio de conhecê-la, o modo como ela entende seu trabalho que é “fazer brilhar a luz de todos na mesma intensidade e que suas luzes se harmonizem entre si” (GOMES, 2023, p. 171). O nome do restaurante reflete seu percurso e reconhecimento de um trabalho coletivo. Ela compara o pessoal com um verdadeiro tesouro, de joias mais ou menos buriladas. Dentre os momentos marcantes em sua carreira, ela cita quando cozinhou para as crianças do Morro Dois Irmãos, comunidade onde nasceu no Vidigal. O reconhecimento das desigualdades sociais, o estranhamento diante do problema da fome no Brasil, fazem Alessandra ressignificar seu trabalho, que é o de “nutrir de amor” tanto os corpos como os corações. Alessandra observa: “hoje em dia, na França, a gente joga uma quantidade surreal de comida fora e financeiramente não podemos mais continuar vivendo assim, enquanto muitos morrem de fome. Por respeito a essas pessoas não podemos jogar comida fora”. E assim, vemos que a solidariedade só funciona mesmo quando se mostra na realidade que vai tomando espaço. No podcast “Exploradoras, mulheres pelo mundo” (2023), vemos que a chef vence o machismo e o sexismo para conquistar um espaço até então sempre ocupado por homens. A discriminação existe, e ela também sofreu com isso, além de ser mulher negra e estrangeira. Em conversa com Adriana Mabilia (2023) Alessandra compartilha uma experiência de como se portou com uma cliente – que nem sempre tem razão. A cliente havia feito uma reserva para 12 horas e só chegou às 12:40 h. A cliente foi contactada três vezes por chamadas telefônicas, mas não atendeu. A sua mesa foi cedida a um cliente passante, que não havia feito reserva. A funcionária Martina respondeu educadamente que como não obteve resposta nas tentativas de contato, a mesa havia sido disponibilizada. A cliente questionou como essa conduta era possível, dizendo rispidamente que era médica e começou a tratar mal Martina. Alessandra veio ao encontro da situação e disse que “estudos de medicina não dispensam a senhora de ser educada”. A cliente saiu, mas voltou três dias depois, como se nada tivesse acontecido. O carinho e afeto com que Alessandra trabalha, ainda que tenha sido firme em sua colocação, com o clamor pelo respeito no trato com as pessoas. A razão que a cliente parece ter encontrado é a de que seu restaurante é um lugar que as pessoas se respeitam e querem voltar, pois tem princípios de cuidado que sustentam cada ação cotidiana. O marketing de ações de responsabilidade social quando feitos apenas com este propósito sem a contrapartida necessária, é só marketing e não sustenta a imagem institucional analisada com mais critério (MACÊDO & cols., 2008). A chef que trabalha seriamente contra o desperdício, nos conta que para se fazer uma baguete são necessários mais de 150 litros de água. Sua criatividade para usar os alimentos metaforiza com as ações que nós dispomos fazer com os ingredientes que a vida nos traz. O modo como a chef é vista pelos seus pares e jovens ingressantes no mercado de trabalho é algo da ordem do real. Para usar uma expressão lacaniana, prata da casa francesa de psicanálise, ficar só na imaginarização (BACELAR & COUTINHO, 2022) aprisiona os sujeitos a um discurso capitalista de venda da própria imagem. As conquistas exitosas de Alessandra simbolizam sua vida real, não vem de um conceito criado para ser vendido. Ser chefe – em qualquer área de atuação – sem ser autoritária é uma condição para fazer face ao mal-estar das desigualdades sociais. É uma iniciativa de tratar dos sintomas da clínica do trabalho contemporâneo. A barreira da língua, da cultura, da distância da família, são elementos que nos fazem pensar nas condições de vida e claro, trabalho, enquanto centralidade da vida, no Brasil. Desde 2017, quando morei em Paris, acompanho o trabalho de Alessandra em seu primeiro restaurante Tempero. O trabalho desta chef solaire (ou ensolarada, calorosa) como foi chamada em seu livro, vai para além da oferta de sua comida, com ela podemos absorver ensinamentos, degustar de uma boa conversa que inspira novas práticas de gestão, de produção de alimentos e seus usos. Suas contribuições vão muito além das receitas que ela compartilha no livro. Ela nos deixa como aprendizado que a paixão pelo seu métier foi uma “boia de salvação” (GOMES, 2023, p. 212), e que faz sentido buscar essa paixão, onde quer que ela possa se realizar. Ganhos para a França, país que deu tantas oportunidades à Alessandra, que também tanto se beneficiou com a imigração. Do lado de cá do oceano, terminamos este relato com uma questão: como fazer para que o Brasil seja um lugar bom de se buscar as paixões de bem-viver o trabalho? Seguimos temperando nossas reflexões sobre o fenômeno das migrações brasileiras para outros países com uma frase da entrevistada “é preciso assumir seu passado para que seu presente seja mais doce”. As elaborações que a escrita e a psicoterapia assumiram na história de trabalho Alessandra me fazem lembrar a epígrafe de Schopenhauer no capítulo “poder e desenvolvimento humano” de Zaleznik e deVries (1981, p. 51), com a qual encerro este texto: As pessoas dotadas de grandes e esplêndidas qualidades não sentem muita dificuldade em admitir seus erros e fraquezas. Tais pessoas os encaram como algo pelo qual pagaram, ou até chegam ao ponto de pensar que, longe de se sentirem envergonhadas por tais fraquezas, estão concedendo-lhes a honra de possuí-las.

Referências:

BACELAR, Joyce; COUTINHO, Denise. A noção lacaniana de imaginarização: a clínica psicanalítica e seus
desdobramentos no social. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. 25 (01) • Mar 2022
https://doi.org/10.1590/1415-4714.2022v25n1p83.5
BIAL, Pedro. Conversa com Bial / Alessandra Montagne / Programa Completo. YouTube. 05 de maio de 2023. Disponível em: https://youtu.be/idZ5kZRZ1g8 Acesso em: 08/05/2023.
EICHENBERG, Fernando. A incrível história da chef brasileira Alessandra Montagne, de Poté (MG) para as
cozinhas de Paris, 2019. Disponível em: https://fernandoeichenberg.com/a-incrive-historia-da-chef-brasileiraalessandra-montagne-de-pote-mg-para-as-cozinhas-de-paris. Acesso em: 09/05/2023.
EXPLORADORAS, MULHERES PELO MUNDO – Alessandra Montagne. Entrevistadora: Adriana Mabilia.
Produção Gabriel Saraiva. 08 de maio de 2023. Podcast. Disponível em:
https://cultura.uol.com.br/radio/programas/exploradoras/2023/05/08/3_exploradoras-mulheres-pelo-mundoalessandra-montagne.html. Acesso em: 09/05/2023
FREUD, Sigmund. (1907 [1906]/1996) Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. IX. Rio de. Janeiro: Imago, 1996.
_________. (1907/2015). O delírio e os sonhos na Gradiva. In: . Obras completas, volume 8: O delírio e os sonhos na Gradiva,. Análise da fobia de um garoto de cinco anos e outros textos (1906 -1909). São Paulo: Companhia da Letras. Tradução: Paulo César de Souza.
GOMES, Alessandra Montagne. De rio à paris: ma cuisine de couer. Textes Laurène Petit. Photographes Maki
Manoukian. Flammarion, Paris, 2023. ISBN: 978-2-0804-1271-3. nº d’édition: 554122.
MACÊDO, Kátia Barbosa; OLIVEIRA, Alberto; FARIAS, Keila Mara de Oliveira; SANTOS, Elise Alves; SIQUEIRA,
Ana Tereza Elias; SOUZA, Jamaile. R. Os programas de gestão ambiental a partir da percepção dos trabalhadores: um estudo em organizações goianas. In: Kátia Barbosa Macêdo. (Org.). Gestão Ambiental e Organizações: Interfaces Possíveis. 1ed. Goiânia: Editora da UCG, 2008, v. , p. 31-100.
RFI. Rádio France Internacional. “Tudo se reaproveita”, diz chef brasileira Alessandra Montagne que está
conquistando os franceses. Publicado em 10/02/2022. Acesso em: 08/05/2023.
ZALESNIK, Abraham; deVRIES, Manfred F. R. Kets. Poder e desenvolvimento humano. In:
. O poder e a
mente empresarial. Biblioteca Pioneira de Administração e Negócios. Tradução: Regina Chiquetto e Oswaldo Chiquetto. Livraria Pioneira Editora. São Paulo, 1981, pp. 51-69.
WOWWOMAN. Chef, restaurant owner, survivor, Paris, France. Extraordinary Women and their stories.
Disponível em: https://www.wowwomaan.com/chef-restaurant-owner-survivor-paris-france Acesso em: 09/05/2023.

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Ensaios

Salto alto: um agravo para a saúde da trabalhadora

Embora os sapatos de salto alto estejam na moda há décadas para o público feminino, sua história revela que o acessório surgiu no século 16 como peça do vestuário masculino! A ideia de ganhar alguns centímetros de altura respondia ao desejo de mostrar poder e autoridade nos campos de batalha de guerras na Ásia. O primeiro salto alto da história fazia parte de calçados militares, como explica o historiador Greg Jenner. Os cavaleiros combatentes cavalgavam sobre a cela, e se levantavam para atirar com seus arcos e flechas. Isso significava que precisavam de um salto para se manterem equilibrados sobre o estribo (BBC, 2022). 

A ideia se espalhou pelo Ocidente há quase cinco séculos, quando o então xá da Pérsia, conhecido como Abbas, o Primeiro, enviou um grupo de emissários para a Europa. Os homens europeus queriam vestir calçados de salto alto para emular a força dos persas, e a rainha Elizabeth 1ª (1533-1603) começou a usá-los para parecer mais masculina (BBC, 2022). 

Curioso escutar a história dessa mulher, que ao que tudo indica foi a primeira a calçar saltos altos, em determinado momento foi declarada filha ilegítima, pois o casamento de seus pais fora anulado, e portanto, a princesa então viveria sem acesso ao trono. Somente em 1543, ela seria recolocada na linha de sucessão. De outra forma, também não era esperado que Elizabeth fosse rainha da Inglaterra, pois ela tinha dois meios-irmãos: Maria e Eduardo. Ambos subiram ao trono inglês, mas morreram sem herdeiros e por isso, Elizabeth foi declarada rainha em 1558, após o falecimento da rainha Maria I. 

O historiador Jenner, autor citado pela BBC News (2022), afirma que “É um pouco mais tarde, no começo do século 17, que começamos a ver saltos usados de forma generalizada, começando pelos homens, para parecerem mais masculinos e durões”. O rei Luís 14 [monarca da França de 1643 a 1715] começa a usar sapatos com saltos, porque ele era relativamente baixo, e ficou famoso por usar saltos vermelhos — que depois viriam a inspirar o design de sapatos de [Christian] Louboutin, no fim do século 20. O respaldo do rei francês significou o início da explosão do salto alto na Europa, como explica o historiador. “De repente, todo mundo estava usando salto alto na corte [francesa]” (BBC, 2022).

Foi em 1860 que o salto se torna “erótico” para as mulheres à medida em que passou a ser usado na pornografia da época. Esta tendência se fortaleceu durante a Segunda Guerra Mundial, quando mulheres chamadas de “pin-ups” estamparam cartazes e revistas em poses sensuais, usando salto alto.

Marilyn Monroe e a indústria cinematográfica hollywoodiana tiveram enorme influência na promoção do salto alto como símbolo de sensualidade, glamour e beleza. Depois dos anos 1940, em pesquisa de 2017, liderada por David M. G. Lewis, da Universidade Murdoch, na Austrália, concluiu-se que o uso de saltos realmente era considerado como algo que tornava as mulheres mais atraentes. 

Este impacto, no entanto, não tem nada a ver com os pés — mas, sim, com o movimento provocado pelo salto no restante do corpo feminino, em especial na curvatura lombar. “É possível perceber se uma mulher está usando salto alto sem ver seus pés, é aquela postura, a mudança na forma de andar”, diz a cientista social Heather Morgan, que cita a recente pesquisa.

“É a mudança no formato da coluna que, na verdade, é atraente.” E é justamente com esse entendimento compartilhado que as portas para o surgimento dos agravos para a saúde das mulheres se abre. Curiosamente, os homens abandonaram os saltos. Mas a gestão da beleza para as mulheres segue firme no desequilíbrio do salto em nossos dias atuais. Podemos até fazer digressões sobre as lutas enfrentadas pelas mulheres e nos perguntamos, será que ainda calçar um salto numa rotina de trabalho compensa para a busca de empoderamento? 

Será que o movimento provocado pelo salto e curvatura da coluna são realmente belos?

(Imagem do arquivo pessoal da autora, no Centre Georges Pompidou, Paris, 2017).

Da rotina do salto à dor 

Na contemporaneidade as mulheres trabalham e muito. Em diversos locais de trabalho, o uso de salto é solicitado para que a aparência desejável e a  atratividade diante de sua imagem seja garantida. Imagine só a prescrição ou a sugestão de uso de salto alto para mulheres como condição de trabalho, seja porque a empresa defenda essa forma de apresentação, seja porque grande parte das mulheres estão aderidas “voluntariamente” e/ou inconscientemente aos saltos. Enfim, estamos aqui propondo a reflexão de fatores organizacionais e/ou psicossociais ligados ao trabalho. 

As lesões por esforços repetitivos (LER) e os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) são por definição, consideradas pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2019): 

Todas as doenças, lesões e síndromes que afetam o sistema músculo esquelético, causadas, mantidas ou agravadas pelo trabalho (CID-10 G50-59, G90-99, M00-99). Em geral caracteriza-se pela ocorrência de vários sintomas inespecíficos, concomitantes ou não, que podem aparecer aos poucos, tais como dor crônica, parestesia, fadiga muscular, manifestando-se principalmente no pescoço, coluna vertebral, cintura escapular, membros superiores ou inferiores.

Embora a definição de caso para os agravos de LER/DORT inclua as afecções nos membros inferiores, o Protocolo de Complexidade Diferenciada para Dor relacionada ao trabalho, lançado pelo Ministério da Saúde em 2012 não os cita.  Sabemos que tais agravos em saúde do trabalhador são subnotificados e que a realidade rotineira de agravos em membros inferiores, em especial as decorrentes do uso contínuo do salto alto além de não ser abordada neste Protocolo, mal falamos sobre isso.  

Em Goiás (2022), os registros são de apenas 128 notificações nos últimos 5 anos (2017-2021), sendo 81% delas registradas no município de Goiânia. As ocupações dos trabalhadores que sofrem com LER/DORT distribuem-se nas categorias profissionais de alimentação (23,5%), manutenção (11,7%), educação (11%) e saúde (4%). Do total de notificações, 78% correspondem a trabalhadoras do sexo feminino, e 88% das LER/DORT acontecem em função do tempo de exposição ao risco ao longo dos anos. As evoluções dos casos apontam 56,5% de incapacidades temporárias e 19,6% de incapacidades permanentes parciais e 2,5 % incapacidade permanente total. 

 Dentre os dois sexos, as (os) trabalhadoras (es) mais afetadas (os) encontram-se na faixa etária dos 46 aos 67 anos (56,6%) e entre os 22 e 45 anos de idade, somam-se 43,3%. Embora 87% dos (as) trabalhadores (as) lesionados (as) e adoecidos (as) apresentaram limitação dos movimentos, em quase 83% dos casos não houve adoção de conduta de proteção coletiva e em 77 % não houve adoção de conduta de proteção individual. Ainda que apenas 1,5 % tenha transtorno mental associado, 95% dos casos correspondem a um diagnóstico em que a dor está presente.

As notificações de LER/DORT são todas generalizadas com o diagnóstico de exposição ocupacional a fator de risco não especificado.  Pois as classificações de G50-59, G90-99, M00-99, que incluem por exemplo, aos diagnósticos de síndrome do túnel do tarso, lesão do nervo plantar, mononeuropatias dos membros inferiores, não estão disponíveis na base de dados do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN). Embora o filtro para diagnósticos específicos de LER/DORT relacionados aos acometimentos dos membros inferiores continue sem visibilidade, sabemos informalmente, pela experiência vivida ou relatada, que a sensação corporal buscada após um dia de trabalho com o uso dos saltos é o alívio de quando retiramos os calçados de nossos pés.

Sabendo disso, fica a pergunta: será que os saltos ficarão entre nós para sempre? As celebridades, certamente, continuam fãs desta peça do vestuário, especialmente em eventos de gala, quando eles aparecem em suas versões mais altas. No entanto, fora do contexto de festividades, na rotina do dia-a-dia mais mulheres compraram tênis a partir de 2016, pela primeira vez, mais do que sapatos de salto no Reino Unido (BBC, 2022). 

A insistência na estética prevalece em discursos que consideram os saltos emblemáticos demais como símbolos de poder no imaginário, na história da cultura e da erótica para fazê-los desaparecer. Eles devem permanecer ao lado das reflexões mais críticas contra o uso abusivo da extensão forçada de altura e curvatura no corpo feminino.

O depoimento de uma mulher apaixonada pelo salto alto, tirado de um filme antigo dos arquivos da BBC, demonstra a vontade de poder submeter-se à dor para usufruir da imagem: “Acho que eu prefiro sentir muita dor e usá-los, e ficar bonita — e sofrer por isso”.

A par das escolhas individuais, da percepção e sensações psicofisiológicas pelo uso do acessório, é mister que o uso de calçados deste tipo não seja obrigatório. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), teve decisão confirmada pela 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em um caso no qual uma companhia operadora de telefone foi condenada a pagar R$ 120 por ano a um empregado que teve de comprar sapatos pretos para trabalhar (CONJUR, 2022). 

Para além da judicialização de ações relativas a processos trabalhistas, que envolvem prejuízos financeiros aos trabalhadores(as), sugerimos a reflexão incitando a discussão no âmbito da saúde, questionando como a estética, seja pela cor, ou pelo formato anatômico vão gerar consequências que o ressarcimento financeiro não trará de volta a saúde dos membros inferiores e lombar antes dos traumas cumulativos.

 Os profissionais da saúde concordam que os saltos não são saudáveis. Não há cor, nem formato, nem regra, cobrança implícita, informal ou secreta de condições de trabalho que justifique o agravo à saúde das mulheres. Com a psicanálise, a discussão pode ir no rumo da cultura que reforça a falicização de uma estética que veicula poder, e a dificuldade de sair dessa lógica de erotismo que implica encurvar o corpo para engrandecê-lo. Parece mesmo mais difícil que andar de salto alto, saltar sobre outros trilhos altos do empoderamento feminino.

Referências:

BBC News Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-60789452#:~:text=O%20salto%20alto%20surgiu%20como,eleg%C3%A2ncia%20feminina%20veio%20bem%20depois.&text=Tudo%20come%C3%A7ou%20por%20volta%20do,ou%20at%C3%A9%20mesmo%20antes%20disso. Acesso em: 26 de agosto de 2022.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Dor relacionada ao trabalho. Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Osteomusculares relacionados ao Trabalho. Protocolo de Complexidade Diferenciada nº 10. Saúde do Trabalhador. Brasília, 2012.

_______. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Saúde Ambiental, do Trabalhador e Vigilância das Emergências em Saúde Pública. Nota Informativa Nº 94/2019-DSASTE/SVS/MS. Orientação sobre as novas definições dos agravos e doenças relacionados ao trabalho do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Brasília, 2019.

_______. Ministério da Saúde.  Ficha de investigação LER/DORT. Disponível em: https://www.saude.go.gov.br/files/saude-do-trabalhador/cerest/fichas/DRT_LERDORT-Atual-28-01-20.pdf Acesso em: 31/08/2022. 

COFFITO. Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Resolução nº 424, de 08 de Julho de 2013 – (D.O.U. nº 147, Seção 1 de 01/08/2013). Código de Ética e Deontologia da Fisioterapia.  Disponível em: https://www.coffito.gov.br/nsite/?page_id=2346 . Acesso em: 29/08/2022

CONJUR. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-out-16/trabalhador-obrigado-usar-sapato-especifico-ressarcido Acesso em: 29/08/2022. 

GOIÁS. Dados de LER/DORT (2017-2021) extraídos do SINAN. Sistema Nacional de Notificação de Agravos em Saúde do Trabalhador. Disponibilizado pelo técnico em segurança do trabalho Albertino Dias Lira, do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador em 22/09/2022.

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